14.5.11

1. O PASSAGEIRO, ESSE "SER" ESTRANHO!

Meus amigos, o dia a dia, na aviação, é de uma total falta de rotina... Ouvem-se coisas inacreditáveis!
Já vi passageiro entrando no avião e perguntando para a comissária: -"E aí, não vamos cair hoje, não é?". Naturalmente que isso é uma defesa natural do passageiro que tem medo de voar. Mas, é surpreendentemente atroz! Será que se esse passageiro fosse passar por uma cirurgia cardíaca, tendo sua vida nas mãos do cirurgião (assim como no avião ele tem sua vida na mão da tripulação), será que ele faria gracejos como: -"E aí, vai morrer gente na sua mesa de operação, hoje?". Seria, para dizer o mínimo, uma tremenda de uma descortesia com o profissional que está alí, preparadíssimo para cuidar bem dele...

Não sei qual a percentagem de passageiros que tenham medo de voar. Acredito que deva ser alta, na faixa de uns 70%. E isso acrescido ao fato do passageiro estar em um ambiente que lhe é estranho, e sobre o qual ele não tem nenhum poder, leva a comportamentos estranhíssimos!

Quando encontra conhecidos a bordo, durante o embarque, o passageiro sempre exprime enorme satisfação em ver um rosto conhecido. Cumprimentam-se efusivamente, mesmo que mal-e-mal se conheçam. Se o encontro fosse numa calçada, talvez até se evitassem, ou se ignorassem mutuamente. Mas, a bordo, é uma conexão com o mundo que conhecem, é um pé em terra firme.

Quando começa o speech de segurança dos comissários, a maioria segue lendo alguma coisa que nada tem a ver com a situação. Já vi alguns segurando revistas de cabeça para baixo, obviamente tentando mostrar uma tranquilidade que não estavam sentindo. Ora bolas, se estão se sentindo inseguros, deveriam prestar atenção redobrada às informações de segurança! Aliás, aqui cabe um comentário essencial sobre os comissários. Eles não estão à bordo para lhes servir lanche! Eles estão à bordo para zelar pela sua segurança! Para salvar sua vida no caso (improvável, felizmente) de um acidente. Se eles servissem apenas para servir lanches, com certeza absoluta já teriam sido extintos pela busca de lucro (necessário) das companhias aéreas, e cada passageiro receberia uma caixinha de lanche e uma garrafinha de suco no momento do check-in. Como os comissários são essenciais à bordo, e são essenciais única e exclusivamente por questões de segurança, só por isso eles são utilizados, nos momentos de folga de sua ocupação principal que é salvar a vida dos passageiros (e muito felizmente esses momentos de não-atuação em sua verdadeira função será a totalidade da carreira da maioria dos comissários!), nesses momentos de "ócio" de sua função primordial eles serão utilizados para servir lanches aos passageiros. Não são garçons e garçonetes, e sim são os responsáveis pela vida dos passageiros!

Fico pensando quantos passageiros que já morreram por não saber o que fazer numa emergência, num acidente... E por não seguir cuidados básicos, claramente indicados nos speechs de bordo. Nos recentes acontecimentos de passageiros feridos por turbulência, que tanta manchete geraram nos órgãos de imprensa não-especializada, eu diria o seguinte: Foi até pouco! Pois todos os passageiros machucados estavam sentados e sem os cintos de segurança passados. Caramba, o que os comissários haviam acabado de anunciar no speech de segurança? -"Quando sentados, permaneçam com os cintos passados!" Mas, ninguém ouve speech, e quando ouve, acha que é bobagem. A estes, um recado: Já ocorreram MORTES causada por turbulência. A aeronave entrou numa turbulência severa, e o passageiro ficou batendo no interior da aeronave igual pipoca estourando na pipoqueira, e momentos depois a aeronave pousou em segurança, intacta, mas com um passageiro burro, que achava que colocar o cinto era supérfluo, que achava que estava acima das regras, morto a bordo. Isso sem contar os outros passageiros que ele machucou, em seu vôo acrobático pelo interior da cabine de passageiros! Pessoas inocentes e seguidoras das normas se machucam com a inobservância das regras por parte de OUTROS... Isso é o mais triste da história! Por isso que cabe também aos passageiros fiscalizarem os seus "colegas de cabine", pois o que seu vizinho de assento fizer de errado pode causar danos a você!

Conheci um Coronel da FAB que, quando viajava em companhias comerciais, tinha o hábito de ficar em pé, observando os passageiros, durante o speech dos comissários. Quem não estivesse atento, ele mandava prestar atenção! Hoje em dia, em tempos do s... E, mesmo com o speech pedindo que deixem o corredor livre, o que fazem alguns: Ficam em pé no corredor, conversando com outros passageiros, muitas vezes até com aqueles que mal conhecem. É novamente a tentativa de parecer estar à vontade, quando não está. Pois, num restaurante, com certeza não estariam em pé em corredores estreitos entre as mesas, atrapalhando os garçons. Porque, então, fazem isso num avião? Há também os bem intencionados que querem ajudar, mas por não conhecerem os detalhes, acabam atrapalhando. Querem ver um exemplo? O passageiro que senta na poltrona do corredor, e, querendo ajudar, empilha as bandejas de refeição de seus dois colegas (da poltrona do meio e da poltrona da janela) e entrega ao comissário assim está dando trabalho em dobro ao comissário. Pois as bandejas normalmente não cabem nos trolleys empilhadas. O comissário terá de separá-las uma à uma, precisando das duas mãos para isso, demorando mais na tarefa.

Ao passo de que se cada passageiro desse individualmente sua bandeja, o comissário facilmente a colocará no trilho do trolley adequado a isso, usando uma mão, enquanto se apóia no trolley com a outra. Claro que é louvável a intenção de ajudar, por isso é ainda mais importante avisar que isso atrapalha... Ao passageiro que quer ajudar, a melhor coisa a fazer é não atrapalhar...

Uma coisa especialmente incômoda, e que gera muito problema, é que todo brasileiro se acha especialista em futebol, política e avião... E, nesse "achismo", muitas vezes coloca em risco até a segurança do vôo. Como tem a pretensão de se fazer por parecer conhecedor, dá palpites sem nenhuma base sobre situações diversas, principalmente sobre atrasos. Sempre acha que é problema de manutenção, e não tem pudor nenhum em comentar sobre isso com os outros passageiros. Quando atrasa o vôo, mesmo que o piloto avise em speech que o motivo é o fechamento do aeroporto por questões meteorológicas, ou a demora de atendimento no check-in por queda de sistema de software das instalações de terra, o "achista" sempre acha que a aeronave está com problemas, ou, a mais engraçada das "teorias de conspiração", acha que a aeronave está demorando para esperar para ver se chega mais algum passageiro para encher mais a aeronave... Ora, mal sabem esses senhores sobre o TAMANHO DO CUSTO de uma aeronave parada, pousada, sem render, e não servindo ao conseguinte da malha aérea... Quando há problemas técnicos, a coisa é mais cômica ainda.

Certa vez o piloto fez um speech dizendo que haveria um atraso devido à manutenção. Um passageiro exigiu saber do que se tratava, mandou o recado para o comandante pela comissária. O comandante mandou dizer que era um problema técnico, e o passageiro EXIGIU falar com o comandante. Tudo bem, pedido aceito, o passageiro chegou grosseiramente no cockpit, aeronave pousada, exigindo que o comandante dissesse exatamente o que havia de errado. O comandante falou: -"Ok, nós estamos com o EMUX em single-channel, o senhor acha que dá para decolar assim? Quer dar uma conferida no MEL?" Quando o passageiro percebeu o TAMANHO DO RIDÍCULO que estava passando, por não saber absolutamente do que se trata um EMUX, e muito menor saber que o EMUX tinha mais de um canal, voltou quietinho pro lugar, e ficou quieto pro resto do vôo.

E o desembarque? Ah, o desembarque... A fase da viagem em que mais se demonstra a desinformação...

Certa vez eu estava de passageiro chegando em Brasília. A aeronave parou na taxyway, aguardando posição de estacionamento. 90% dos passageiros levantaram, pegaram a bagagem, e ficaram em pé no corredor. Em menos de 15 segundos, o comandante fez um speech dizendo que estava aguardando a desocupação do box designado, e que em seguida iriam reiniciar o movimento, pelo que pedia para todos ficarem sentados com os cintos passados. Uma passageira, que estava em pé no corredor ao meu lado, esbarrando sua bagagem de mão sem parar na minha cabeça, grosseiramente falou: -"Mas que irresponsabilidade, porque ele não avisou logo, tá nos fazendo de palhaços!". Não me contive e perguntei a ela, falando alto para que muitos ouvissem, se ela não havia notado que o aviso de cintos ainda estava aceso. Ela disse algo como: -"Hã? Ah! É, né?" e sentou. Muitos riram, e todos sentaram. Será que ninguém ouviu o speech dos comissários, mandando todos se manterem sentados, e com o cintos passados, até a parada total da aeronave e o corte dos motores, e o apagamento do aviso de atar cintos?!??!!?!?

E, mesmo quando a aeronave para, os motores são cortados, e o aviso de atar cintos é desligado, nunca entendi a agonia da maioria em ficar em pé no corredor, aguardando por vezes até 2 minutos para o acoplamento do finger e a abertura da porta... Normalmente se expremendo, batendo as bolsas de mãos nas cabeças dos civilizados que continuam sentados... Ora, por mais que corram, no mínimo vão esperar as bagagens por muito tempo!

Já sugeri que se colocasse no sistema de som da aeronave aquela música do Gilberto Gil, cuja letra diz que: -"...pelo menos aprendi a ser o último a sair do avião..." para ver se "cai a ficha" do pessoal... Já vi senhoras de idade, mulheres grávidas, crianças, se expremendo no corredor... E no final todos vão sair ao mesmo tempo! Mesmo os que estão confortavelmente sentados...
É, o passageiro é, reamente, um ser muito estranho...
tristemente disseminado uso do "politicamente correto", essa atitude desse saudoso coronel com certeza seria criticada, e taxada de arrogante. Mas, é algo que todos os que realmente entendem de segurança de vôo aplaudiam! E sentem saudades!

Nessa tarefa secundária dos comissários, que é servir o passageiro (pois, repito, a tarefa principal deles é zelar pela segurança e pela VIDA dos passageiros), há um período de tempo normalmente curto para as tarefas a excutar: Passar com o carrinho de um extremo ao outro do avião, servir normalmente mais de 100 pessoas em curtíssimo tempo, fazer repasse de bebidas, recolher tudo, servir café, recolher o lixo sobrante, organizar tudo, fazer uma contagem do material sobrante, guardar, fechar, lacrar, emitir relatório.


 


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